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Poesias de Dom Pedro II/12

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Poesias de Dom Pedro II (1889)
Episodio de Francisca de Rimini by Dante Alighieri
377317Poesias de Dom Pedro II — Episodio de Francisca de RiminiDante Alighieri
[ 15 ]

EPISODIO DE FRANCISCA DE RIMINI.

 

( Trad . da Divina Comedia. )

 

E comecei : poeta, boa mente
Fallarei a esses dous que juntos vāo,
Qual á mercê do vento velozmente.
E elle a mim: os verás n՚outra occasiāo
Mais proximos de nós, e entāo lhes pede
Pelo amor que os conduz, e elles virāo.
Logo que o vento a nosso lado os cede,
Desprendo a voz: Oh almas afanadas,
Vinde fallar-nos, ninguem o impede.
Leves pombas, da saudade magoadas,
Com pandas firmes azas vem pelo ar
Ao doce ninho, do querer levadas;
Taes o bando de Dido eil-as deixar,
Para nós vindo pelo ar maligno;
Tanto a voz da affeiçāo poude gritar.
Gracioso vivente, que benigno
A nós, por quem já sangue foi disperso,
Vens visitar pelo ar negro e mofino,
Se amigo fosse o Rei do Universo,
Nossas preces terias por tua paz;
Pois que tens dó do nosso mal perverso.

 
[ 16 ]

De tudo que fallar e ouvir te apraz
Servir-vos e fallar-vos tem cabida
Emquanto o vento, como agora, jaz.
Está a terra aonde entrei na vida
Sobre a marinha aonde o Pó se lança,
P՚ra com os sequazes descançar da lida.
Amor, que a um peito nobre logo alcança,
Prendeu-o da bellissima pessoa,
Roubada a mim, e o modo é atroz lembrança.
Amor, que nunca ao amado amar perdôa,
Ligou-me a este com prazer tāo forte
Que, como vês, ainda me agrilhôa.
Amor nos arrastou á cruel morte:
Caina que extinguiu as nossas vidas.
E ambas nos fallarāo de tal sorte.
Logo que ouvi as almas doloridas,
Baixei o rosto e conservei-o assim,
Té que o poeta me disse: Em que tu lidas?
Respondendo exclamei: Bem triste, sim |
Que doces pensamentos, que desejo
Os conduziu ao doloroso fim |
Volto-me entāo e fallo n՚este ensejo ;
Francisca, os teus martyrios lastimosos
De choral-os piedoso nāo me pejo;
Mas, quando houve os suspiros deliciosos,
Porque e como permittiu o amor
Que os desejos sentisses duvidosos?

 
[ 17 ]

E ella a mim: nenhuma maior dôr,
Que lembrar-se do tempo tāo feliz
Na desgraça, e bem o sabe o teu doutor.
Porem, se conhecer bem a raiz
Do nosso amor, te é causa de prazer,
Farei como qualquer que chora e diz:
Lendo um dia nas horas de lazer
A Lanceloto como o amor reudeu,
Stavamos sós, sem nada que temer.
A leitura por vezes nos ergueu
Os olhares e o rosto descorado;
Porem só um ponto foi que nos venceu,
Quando lemos que o riso desejado
Sentia o beijo de tāo fino amante,
Quem nunca sahirá d՚este meu lado
A bocca me beijou todo anhelante.
Galeoto era o livro e seu autor;
N՚esse dia nāo lemos para diante.
Emquanto essa alma conta o seu labor,
A outra chora e tanto o dó me attrae,
Que desmaiei, da morte sob a côr,
E cahi como corpo morto cae.

 

  This is a translation and has a separate copyright status from the original text. The license for the translation applies to this edition only.
Original:
This work was published before January 1, 1930, and is in the public domain worldwide because the author died at least 100 years ago.
Translation:
This work was published before January 1, 1930, and is in the public domain worldwide because the author died at least 100 years ago.