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Poesias de Dom Pedro II/60

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Poesias de Dom Pedro II (1889)
translated by Pedro II
O Chôro d’uma Alma perdida by Withier
379706Poesias de Dom Pedro II — O Chôro d’uma Alma perdidaPedro IIWithier
[ 78 ]

O CHORO D’UMA ALMA PERDIDA.

 

Poesia de Withier.

 

No mato escuro, aonde, o dia já ausente,
Deslisa-se o Amazonas, qual uma serpente,
Do pôr do Sol á aurora tenebrosamente,
Como d’alma penada na floresta errante,
Chôro extenso, gemido d’ erino cruciante,
E das trevas, o bem d’ali então distante,
Tanto abala o viajôr com o horrido sonido
De angustia e de terror, que todo combalido
Lhe para o coração, e escuta commovido.
Qual ao dobre d’un sino, o guia estremecendo
Larga o remo na borda, e logo se benzendo,
Diz baixo: « Alma perdida! Eu bem a comprehendo.
« Não é passaro, não, Senhor; é algum damnado
« Infiel ou herege ha muito excomungado,
« Do inferno a chorar em chammas abrazado.
« Pobre louco! Inda a esperança os males enganando,
« Vaguê á meia noite e em gritos, suspirando,
« Vae dos christāos piedade e rezas implorando.
« Santos, emmudecei-o! Oh! Santa Mãe, não valha
« Teu rôgo a quem penando até ver a mortalha
« Da ira de Deus arde sempre na fornalha!

 
[ 79 ]

Do pagāo a cruel mentira ao baptisado
Augmentando o horror do chôro angustiado,
O viajante escuta, e fica-se calado.
Mal arde a luz no barco; á roda a escuridāo
Do arvoredo e cipós formando um turbilhāo,
E as aguas sem rumor negras correndo vāo !
Porem ao viajante occulto sentimento
De como a natureza é boa em seu intento,
E Deus ao beneficio eterno sempre attento,
Ergue os olhos aos Ceos serenos, luminosos
De astros mil tropicaes, e os gritos ominosos
Brilha a cruz do perdāo, - e ei-los harmoniosos.
« Pae de todos », exclama em fervida oraçāo,
« Todos amas: teu filho em peregrinação
« A si pode perder-se, a ti nāo pode nāo!
« As almas tuas sāo, o ar da manhā nāo traz
« Longe uma só do Sêr que em toda parte jaz,
« Nem mesmo a esconde o inferno; pois ali estás,
« Atravez do peccado e da perversidade
« Dos crimes e vergonhas, dores e maldade,
« A tua creatura inda olhas com piedade.
« Principio e Fim Eterno, em tua eterna vida
« Nāo has de, da existencia a trama reurdida,
« Mudar em hymno o choro d’uma alma perdida.

 


  This is a translation and has a separate copyright status from the original text. The license for the translation applies to this edition only.
Original:
This work was published before January 1, 1930, and is in the public domain worldwide because the author died at least 100 years ago.
Translation:
This work was published before January 1, 1930, and is in the public domain worldwide because the author died at least 100 years ago.